Um relatório fruto das atividades desempenhadas desde abril por um grupo de especialistas em violência nas escolas foi publicado na sexta-feira (3). Em 140 páginas, o documento, demandado pelo Ministério da Educação (MEC), apresenta dados como as características desses eventos e de seus autores, além de propor ações emergenciais a serem promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir ataques às instituições. Entre as recomendações, está a elaboração de um sistema nacional de acompanhamento e combate a esses casos e a atualização das leis sobre crimes de ódio e bullying.
No total, foram mais de duas mil colaborações de 68 pesquisadores e representantes de entidades que atuam na elaboração e implementação de políticas públicas educacionais. Apesar de o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) ter sido criado em 5 de abril – a data do caso em uma creche em Blumenau –, o estudo sobre a correlação entre o extremismo e esses atentados já vinha acontecendo no período de transição governamental. O material também inclui pesquisas internacionais, como documentos do FBI (departamento de investigação norte-americano), e nacionais, em especial de acadêmicos do Norte e do Nordeste.
O resultado, agora, servirá para embasar a Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência Extrema nas Escolas (Enave), que definirá metas específicas, prazos e responsabilidades.
Em nota, o MEC informou que o desenho desse plano de ação será apresentado a representantes de Estados e municípios, a fim de elaborar uma “pactuação interfederativa”. Representantes da sociedade civil também participarão da formulação.
— Não é fácil fazer um trabalho integrado, intersetorial, ainda mais sobre um tema tão sério como a segurança do ambiente escolar. A escola é um lugar em que a família acredita que seus filhos estão seguros. Então esse é um tema que precisa ter um olhar muito forte por nós e, também, pelos entes federados, para garantir que o ambiente escolar seja seguro — pontuou o ministro Camilo Santana, durante o último encontro do GTI, ocorrido na semana passada.
Relator do documento entregue, Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), entende que a pasta que tem se destacado nesse tema é o Ministério da Justiça, e que o MEC ainda está “tímido” nas ações de enfrentamento à questão.
— Em que pese o grupo de trabalho e ser o coordenador do grupo interministerial, o MEC ainda está muito tímido nas ações. O relatório, por exemplo, foi lançado na ponte de um feriado. Existe uma dificuldade em enfrentar esse tema que não é uma dificuldade da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), o órgão ao qual estávamos trabalhando diretamente, mas do Ministério da Educação. O ministro Camilo Santana precisa assumir esse como um tema em que ele vai realizar o enfrentamento e tomar iniciativas — observa Cara.
O levantamento contabilizou 36 ataques a 37 escolas brasileiras desde 2002. Os atentados vitimaram 164 pessoas, havendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas. Apesar de as armas de fogo terem sido usadas em menos da metade das ocorrências, elas causaram 38 mortes – em torno de três e cada quatro dos óbitos levantados.
Não foi constatada diferença real entre o registro de situações envolvendo escolas públicas e privadas. Todos os agressores eram do sexo masculino e foram motivados por discursos de ódio e/ou comunidades online de violência extrema. Normalmente, os crimes acontecem por imitação. Ou seja: se baseiam ou são inspirados em casos anteriores, o que explica o “efeito de onda”, no qual, quando uma situação é registrada, aumenta a chance de que outras ocorram nos meses seguintes.
No documento, os especialistas apontam o extremismo como o elemento central dos atentados às escolas. Muitos dos autores são adolescentes e têm vínculo direto com a comunidade escolar atacada. A cooptação desses jovens por grupos extremistas é comum e é feita, principalmente, em interações virtuais. As estratégias incluem humor, estética e linguagem violentas, especialmente misóginas, machistas e racistas, em plataformas utilizadas com fins de organizar comunidades de ódio e mobilizar ataques, resultando em impunidade, por conta do anonimato.
A identificação dos grupos extremistas é um trabalho feito pelas pesquisadoras Adriana Dias, falecida neste ano, Lola Aronovich e Letícia Oliveira. Elas constataram que essas comunidades são heterogêneas e dispersas. Em comum, têm uma visão extremista e mobilizada a partir da misoginia (ódio ou aversão a mulheres) e do racismo, que, gradualmente, incorpora elementos da cultura neonazista e fascista.
Quase sempre, os crimes são cometidos como uma reação a “ressentimentos, fracassos e violências” vividos por aqueles alunos e ex-alunos. Os integrantes do grupo de trabalho alertam, contudo, que o bullying não explica sozinho esse fenômeno, ainda que seja parte do problema – a situação é “multicausal” e envolve, por exemplo, uma falta de controle sobre discursos de ódio, cultura armamentista, desigualdade, violências institucionais, fragilidades na formação cidadã dos estudantes e na capacidade de mediação de conflitos pelos professores, além do crescimento do cyberbullying e do extremismo.
Uma série de ações emergenciais foram definidas pelos especialistas, que, se adotadas, preveniriam os ataques. Entre elas, está a atualização das leis sobre crimes de ódio e bullying, a implementação de um Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (Snave), já previsto em lei sancionada em agosto, e a responsabilização de plataformas onde circulam conteúdos extremistas e de pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre autores dos crimes.
Para além disso, o grupo de trabalho alerta para a necessidade de criar uma cultura de paz nas escolas, garantindo uma melhor convivência, expandindo espaços destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura e promovendo políticas de saúde mental. Confira no final da matéria a lista completa das ações propostas.
O professor da USP destaca que há exemplos, em especial na Escandinávia, de trabalhos bem-sucedidos de “descooptação” desses adolescentes, feitos por jovens que já participaram desses grupos.
— Na Escandinávia, há uma experiência premiada pela ONU que se chama “Exit”, que é “saída”, em inglês. São pessoas que foram desses grupos extremistas, saíram e, depois, entram novamente, para desmobilizá-los. Ela faz uma “descooptação”, ou uma “cooptação cidadã”, no sentido de tirar os jovens desses grupos de ódio — explica Cara.
O relator do estudo destaca que o problema dos ataques a escolas é global, e que, no passado, outros países registraram eventos semelhantes de forma contínua, mas conseguiram reverter a tendência. O pesquisador pontua que, por exemplo, escolas com gestões democráticas de longo prazo têm menos risco de sofrerem atentados, bem como instituições que apostam na resolução pacífica de conflitos.
Fonte: GZH
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