A crise do leite atinge produtores de todo o País. Os preços praticados na venda do leite para os laticínios vêm caindo mês após mês. O Cepea/Esalq traz um relatório mensal, analisando o desempenho dos preços médios na cadeia produtiva do leite.
O último relatório apresentado faz referência ao leite entregue aos laticínios no mês de julho. A média calculada no Rio Grande do Sul foi de R$2,18 por litro de leite. No mês anterior, junho, o preço estava em R$2,35. Em abril, a média era de R$2,81. Desde maio, os valores vêm decaindo mês a mês.
PREÇO NA REGIÃO
Muitas são as empresas que efetuam a compra do leite dos produtores da região. A Cooperoque, situada em Salvador das Missões, possui unidade de recebimento de leite, situado na Vila Catarina. A empresa efetua o recolhimento do produto dos seus sócios, compreendendo 60 produtores, bem como a coleta para empresas coirmãs. Todo o produto é destinado à CCGL, em Cruz Alta.
Ao todo, a Cooperoque atua com o recebimento de leite de associados de oito Municípios: Salvador das Missões, Cerro Largo, Campina das Missões, Cândido Godói, São Pedro do Butiá, São Paulo das Missões e Roque Gonzales. A precificação do leite é definida levando em conta a análise regional.
Segundo Leandro Sauer, Coordenador do Laticínio a média do preço pago ao produtor rural sobre o leite entregue no mês de julho à Cooperativa ficou em R$2,33. ”Nos últimos três meses, houve queda de R$0,84. A perspectiva é de que o preço recue ainda mais”, contou em entrevista ao Jornal Gazeta Integração.
IMPORTAÇÃO PUXAM PARA BAIXO O PREÇO DO LEITE
Um dos principais motivos atrelados ao baixo preço do leite pago ao produtor rural é a importação do produto, principalmente oriundo de países do Mercosul. As taxações praticamente inexistentes facilitam a entrada do produto no território brasileiro.
Regis Luis Sturm Lenz, Técnico em Agropecuária da Cooperoque, explicou em entrevista que a importação do leite de outros países acontece todos os anos. Porém, 2023 foi um ano atípico. ”A importação do leite aumentou 50%, o que dificulta uma precificação mais alta. Esse cenário não fiz respeito ao agricultor, mas sim ao mercado, que possui um volume excedente de produto, o que diminui o valor pago pelo litro devido à super oferta”, evidenciou.
Além disso, outros fatores também podem ser elencados como interferências para a precificação. Regis citou a pandemia do Covid-19, bem como a guerra entre Rússia e Ucrânia que afetou a oferta de fertilizantes. ”O detalhe é que agora se chegou a uma situação muito difícil, em que se perdeu o controle sobre a situação”, acrescentou.
TAXAÇÃO
No mês de agosto, o Governo Federal aprovou alteração da alíquota de imposto para a importação de produtos lácteos, passando de 12% para 18%, e revogou a resolução de 2022 que tornava mais vantajosa a compra de países como Argentina e Uruguai. O objetivo é proteger os produtores brasileiros e mitigar a crise que afeta milhares de famílias do campo.
Além disso, outra medida anunciada foi a compra de leite em pó dos agricultores familiares. O objetivo da ação é estimular o setor que está em dificuldade. São destinados R$ 100 milhões do governo federal para a compra, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Compra Direta.
Apesar das medidas, os representantes da Cooperoque acreditam que o cenário não vai mudar tão rapidamente. As ações devem apresentar resultado a médio e longo prazo. Hoje, não existe nenhuma medida a curto prazo que possa ser enfatizada para reverter o cenário que prejudica o produtor de leite. ”A luta é para que se faça a aquisição de produtos brasileiros, valorizando a produção local e possibilitando mais ânimo ao agricultor frente à importação que barateia o produto entre 25% e 30%”, complementou o Técnico em Agropecuária.
MENOS RODUTORES, MAIS LEITE
A atual situação da cadeia produtiva do leite preocupa o produtor rural. O preço desestimula. Fato esse que pode ser notado apenas no número de produtores que ainda seguem na atividade.
Em Cerro Largo, levantamento realizado pela Emater local e Secretária Municipal da Agricultura mostra uma drástica diminuição no número de agricultores que ainda seguem produzindo e comercializando o leite. Segundo informações obtidas pela nossa reportagem, em 2015 eram 241 produtores no ramo. Em 2019, o número diminuiu para 148. Em 2023, são 131.
Apesar da redução no número de produtores, a tendência é o aumento da produção. Regis, que é Técnico em Agropecuária da Cooperoque há 12 anos, lembra que quando ingressou eram mais de 250 produtores de leite, com produção de 750 mil litros/mês. Hoje, são apenas 60, cujo volume ultrapassa 1 milhão de litros por mês.
A tendência que explica o aumento na produção é a profissionalização dos agricultores. ”Eles aumentam o plantel de animais e investem na eficiência produtiva do rebanho.”, evidenciou o Técnico em Agropecuária ao salientar que um dos aspectos que conta pontos para a desistência do produtor de leite é a falta de sucessão familiar.
Segundo o Coordenador do Laticínio, hoje, a Cooperoque coleta 150 mil litros ao dia, contabilizando os sócios e não-sócios. Por ser período de safra, o volume é maior. ”Normalmente a produção contabilizada fica em torno de 115 a 120 mil litros dia”, disse Leandro.
COMO ENFRENTAR ASITUAÇÃO NO CAMPO
A Cooperoque atua diretamente no suporte e orientação ao produtor do campo. Embora não se possa agir frente ao preço, cujo valor é definido pelo mercado, é possível realizar ações ”da porteira para dentro”. Para o Técnico, o produtor necessita realizar um acompanhamento com a equipe técnica buscando fazer um gerenciamento eficaz da atividade. Nesse processo, é importante analisar os custos, bem como o momento certo de realiza os investimentos.
O produtor rural Arsélio Sturm, da São João Norte, em Cerro Largo, trocou a cidade pelo campo. Há oito anos atua como produtor de leite, seguindo a profissão dos pais Irene e Lauri, hoje aposentados.
A propriedade familiar possui 10 hectares de terra e um plantel de 15 vacas em lactação. A produção média é de 300 litros por dia. Ao mês, a família alcança mais de 8 mil litros.
PREÇO REDUZIDO
O último preço ‘bom’ que receberam pelo litro do leite foi de R$2,50. Para o leite do último mês, o preço pago chegou aos R$1,95. A queda alcança R$0,65 nos últimos meses. Para enfrentar essa situação que preocupa muitos agricultores, a alternativa é otimizar a produção. A família buscou investir em pastagens para diminuir o gasto com ração, sem alterar a efetividade da produção. Os produtores também utilizam a silagem como forma de suplementação.
Prova da rentabilidade dessas ações é o volume de leite. ”Nesse mesmo período do ano passado tínhamos mais vacas. Com um plantel reduzido neste ano, estamos produzindo a mesma quantidade de leite do ano anterior”, disse Arsélio em entrevista.
Além disso, a dica também é reduzir custos desnecessários, principalmente os de longo prazo. Para complementar a renda, a família também pode optar pelo descarte de animais com baixa produção. Com propriedade no interior, a família conta com produção própria de vários produtos que garantem a sobrevivência, como é o caso do plantio de feijão, horta com várias verduras e legumes, produção de melado e ovos.
Todos os produtores de leite são impactados pelo preço desfavorável na comercialização do produto, independente do porte da propriedade. Em Salvador das Missões, os irmãos Sandro e Gelson Perius, da comunidade da Isabel Norte, também veem os reflexos do baixo preço na propriedade.
A Estância Adelaide possui um plantel de 140 vacas. Desse total, 115 estão em lactação. Por dia, a Cooperoque coleta 5 mil litros da propriedade, totalizando um montante de 150 mil litros produzidos por um único produtor ao mês, considerado um dos maiores da região.
Gelson está desde 2013 à frente do empreendimento que teve início em 1977 pelo pai Danilo Perius. O produtor conta com colaboração de nove funcionários, que trabalham em turnos, tanto na ordenha quanto na lavoura. Além do leite, a família Perius possui área para plantio de milho e soja.
Com sistema Compost Barn instalado em 2017 e preço dos últimos anos, o produtor enaltece que o investimento superior a R$1 milhão para implementação foi pago. Na época em que realizou a construção, os preços para implementação eram mais reduzidos. Hoje, o mesmo investimento representaria um montante gasto muito superior.
A opção pelo manejo em confinamento levou em conta a produtividade. O modelo traz muitas vantagens, principalmente em relação ao volume de leite que cada animal produz. ”No inverno, a média de produção média por animal ficava em torno de 30l. Com o confinamento, atingimos os 44l. No verão, a produção tende a decair devido ao calor. Embora haja redução, ele não é tão significativo no sistema Compost Barn”, disse em entrevista.
Hoje, independente do preço pago ao produtor rural pelo litro do produto, as vacas da propriedade não param de produzir leite. Todo o conforto que elas recebem, bem como a alimentação, interferem diretamente na produção e, consequentemente, no preço ganho pelo litro. Além da qualidade do leite, quanto maior o volume de produção, maior é o preço.
FATO INUSITADO
Oscilações no preço sempre ocorreram. O que chama a atenção do produtor é a época do ano em que o preço baixo está prevalecendo. Segundo Gelson, ainda é período de safra, momento em que, costumeiramente, o produtor rural conseguia se capitalizar, tendo uma produção de leite maior e preço bom. ”Esse ano foi atípico. O valor do preço pago não é suficiente para pagar o custo de produção de um litro de leite. Além disso, tem investimentos que precisam ser pagos e funcionários que precisam receber seu salário”, contou em entrevista.
Para o trato dos animais, o produtor utiliza silagem feita na propriedade, bem como ração adquirida de fornecedores. Com a seca do último ano, o preço do milho teve alta. Apesar de já ter apresentado uma redução, ainda representa um custo alto. A ração, que serve de alimentação aos animais, também apresentou redução no preço. Porém, segundo Gelson, a diminuição é baixa frente à queda no faturamento causado pelo baixo preço pago pelo leite.
Analisando a média dos preços, o produtor enaltece que dos últimos quinze meses, julho foi o que apresentou o pior preço. ”Tivemos uma queda de 31% com relação ao mesmo mês do ano passado”, finalizou em entrevista.
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